A tecnologia da informação e os seus empregos qualificados

Esse texto tem o propósito de discutir a oferta de empregos qualificados em TI e a sua disponibilidade em segmentos específicos do mercado de trabalho, mais especificamente nos cargos de baixa especialização.

A mídia especializada e também a mídia não especializada em tecnologia constantemente divulgam dados e pesquisas que demonstram que falta de mão de obra qualificada em TI no Brasil 1. E dizem que esse fenômeno não é apenas local e acontece no mundo inteiro devido ao avanço crescente das novas tecnologias.
Vamos entender um pouco o que significa inovação tecnológica no exterior, mais especificamente nos EUA e como esse processo ocorre no Brasil, se é que existe alguma similaridade.

Inovações Tecnológicas

O engenheiro Raymond Kurzweil 2 entende que a evolução tecnológica é exponencial, e se dá com base em acúmulos de conhecimentos e de novas criações, e em uma representação gráfica o avanço inicial que parece evoluir lentamente, acelera com o tempo até se inclinar de tal modo que parece subir na vertical. Kurzweil demonstra que a evolução tecnológica é exponencial, e que por volta de 2045 vai haver a Singularidade. Singularidade é o termo utilizado para o Big Bang, e segundo ele esse evento é algo que irá transcender a capacidade da compreensão humana, tamanho o salto evolutivo que será dado em um curto espaço de tempo.

Ray Kurzweil e as suas teorias não são unanimidades e tem muitos críticos. Esse texto não é sobre ele, e a sua citação é para entendermos a velocidade dos avanços da tecnologia.

Eu tive contato com as teorias do Ray Kurzweil através do TED 3, a velha nova fonte de citações e pesquisas das últimas tendências em termos de Tecnologia, Entretenimento e Design. A quantidade de coisas fantásticas que está a disposição no TED em vídeos de 15 à 30 minutos é incrível. Muitos são especialistas nas suas áreas, que vêem devotando anos de pesquisas em assuntos que interessam à comunidade científica e aos curiosos em geral.

O TED é um dos veículos de distribuição de informações que apresenta o avanço tecnológico que está despontando no mundo. Mas é de se notar que quem apresenta os programas do TED são as próprias pessoas que detém o conhecimento dos processos que estão ocorrendo, das tecnologias que elas estão desenvolvendo. É evidente que os processos envolvem grandes equipes nos centros mais avançados do mundo, com recursos materiais e financeiros, e além de tudo com o mais importante, recursos humanos. Recursos humanos no sentido mais humano e menos de recursos, pois esse último pode remeter ao utilitarismo, a coisificação das pessoas.
A compreensão em última instância de que a evolução do conhecimento se dá com a capacidade das pessoas em adquirir, transforma e transferir conhecimento é que faz essas pessoas estarem lá, os próprios protagonistas das inovações, com muito pouco ou muitas vezes nenhum artefato midiático, mas apenas o próprio conhecimento.

Surtos e espasmos

No Brasil, a discussão sobre a falta de mão-de-obra qualificada ocorre sempre nos surtos de crescimento quando faltam pessoas para executar tarefas.

A natureza das qualificações necessárias está relacionada a execução de tarefas que se acumulam em decorrência das atividades que se instalam para explorar as oportunidades advindas do crescimento econômico. A área de tecnololgia é amplamente dominada por grandes fornecedores de serviços e de produtos, e a procura por profissionais especializados ocorre em uma relação direta com esses produtos e serviços oferecidos por esses fornecedores. Eles acabam definindo o rumo das tecnologias utilizadas nas empresa, que por sua vez vai buscar no mercado profissionais com as qualificações necessárias.

A falta de profissionais com esse tipo de qualificações demonstra que o Brasil tem problemas sérios. Treinar profissionais para trabalhar com tecnologias específicas não deveria ser tarefa das mais difíceis. Difícil é criar pessoas capazes de pensar, de criar, de decidir o seu futuro, com a oferta de um ambiente de estudos adequados, professores qualificados, enfim recursos materiais e humanos que suportem as necessidades de bons projetos pedagógicos.

O Brasil mal consegue lidar com a formação de profissionais com qualificações específicas.

Inovação tecnológica vem de fora

Existem algumas iniciativas pontuais de pessoas e empresas procurando inovar, mas basicamente a inovação vem de fora, de outros países principalmente dos EUA.
Ao longo dos últimos 20 anos, o país não criou um ambiente que propicie a inovação, por uma questão de prioridades e de momento histórico.

A criação e a inovação são os processos que mais agregam valor em uma cadeia de processo produtivo, e criam os empregos melhor remunerados diferenciando profissionais através de competição no mercado. O Brasil devido as suas mostruosas desigualdades históricas nos extratos econômicos da sua população, veem priorizando nos últimos vinte anos uma maior distribuição de renda e diminuição das diferenças sociais.
Já os países que estão na vanguarda fazem de tudo para se manter na ponta e atraem os melhores profissinais e o capital necessário para viabilizar novos produtos e serviços, porque esse diferencial possibilita a manutenção das suas vantagens no mercado global de tecnologia.

O Brasil mal consegue formar pessoas capazes de cumprir tarefas em empregos relacionados a tecnologia, quem dirá inovar.

Baixa capacidade produtiva e competitiva

Em 2012/2013, o governo brasileiro despejou nas indústrias brasileiras valores que giram em torno de cem bilhões de reais com o objetivo de dinamizar a economia e trazer crescimento para o país 4, seja através de isenções fiscais, controle cambial e desvalorização da moeda, empréstimos com juros subsidiados entre outras medidas. A evolução do PIB ao longo de 2013 vem sendo pífio e a inflação vem beirando o topo superior da meta e vem sendo citada como um caso raro de problemas na oferta e não de demanda super aquecida. Ou seja, mesmo com as bilhões de reais de suporte do governo central, as empresas brasileiras não conseguem dar conta de aumentar a produção e de dinamizar a economia. Estamos falando em indústrias, na economia antiga; o que se dirá da nova economai baseada no conhecimento, na informação e nas novas tecnologias.
É impressionante como a maior parte da elite dos profissionais de tecnologia é absorvida por empresas estrangeiras, ou empresas nacionais que trabalham diretamente com o fornecimento de tecnologia de empresas estrangeiras.

Pseudo inovação

Pensando em termos de software, e mais especificamente em Internet, portais e web sites, o que se apresenta de produção brasileira como inovação são serviços que agregam valor a um determinado segmento de negócios, e estão mais ligados à natureza do negócio do que a inovação tecnológica em si. Inovar, criar em tecnologia não é o mesmo que utilizar tecnologias existentes para suportar negócios tradicionais. Claro que a adoção de novas tecnologias agrega valor ao camarote, mas não muda a natureza da balada.

A tecnologia possui características abstratas que só são compreendidas se as pessoas se dedicam a entendê-la. A cultura do novo, de oferta de novas tecnologias só floresce onde existe a busca por inovação, que também não é o caso do ambiente de negócios no Brasil. Ao longo das últimas décadas o país vem crescendo de tal forma que as pequenas e micro empresas não procuram meios de inovar ou de contratar inovação para melhorar os seus processos produtivos. Os negócios vem prosperando na velocidade orgânica que o país oferece desde quando foi descoberto. Recursos naturais em abundância, o clima adequado a manifestação da vida sem grandes interpéries, e um povo ordeiro em abundância.

O público brasileiro, os jovens são tratados como “early technology adopters”, ou foi assim ao longo das últimas décadas. O que é uma interpretação distorcida da realidade demográfica brasileira. O Brasil é, ou já quase era um país com uma população majoritariamente jovem, e se criou a crença de ser um país de “experimentalistas”, abertos a inovações. E no fundo são jovens, curiosos e ávidos por novidades como em qualquer parte do mundo mas vivendo com uma Internet sem censura, diferentemente da China, Irã, Coréia do Sul (sim, Coréia do Sul e não do Norte),  e em grande quantidade, servindo de validadores de novos conceitos e consumidores de produtos tecnológicos. Pouco agregando ao capital humano e intelectual.

Hoje existe uma efervecência nos meios criativos tecnológicos ligados ao software no mundo inteiro, porque o acesso aos recursos são muito fáceis. Do software ao hardware, publicações e comunidades atuantes divulgam muitas informações e facilitam a entrada de qualquer pessoa que tenha interesse na área.

A velha vanguarda

Como já dito, a maioria das criações tecnológicas está relacionada a negócios já existentes, onde a tecnologia entra como suporte para agregar valor aos negócios. Por outro lado, a tecnologia como negócio é algo que vem sendo explorado há algumas décadas por grandes empresas mundiais do segmento de tecnologia e também no segmento financeiro. Banco hoje é tecnologia, banco e tecnologia são indisociáveis. Existem as regras e regulamentações relacionadas aos negócios financeiros mas que estão completamente atrelados ao armazenamento e processamento de informações, na velocidade da computação.

Em 2008 Barack Obama disse que a economia dos EUA não iria concorrer com a economia da China através da produção de produtos baseada na exploração de mão de obra barata, mas que ele propunha o fortalecimento dos EUA como potência tecnológica, investindo em tecnologias verdes como eficiência energética e investimento em novas fontes de energia. Essa tendência existe a muitas décadas, talvez ao longo do século XX inteiro. 5
Em TI não é diferente, e se consolida cada vez mais nos domínios da Internet com os grandes provedores de serviços como Google, Facebook, Twitter, Youtube, etc. O Google não precisa brigar com o Facebook, a Microsoft não precisa brigar com o Open Source, tem espaço para todo mundo. Quando todos os espaços estiverem devidamente ocupadas terão o aval para concorrer entre sí. Por enquanto a direção é uma só, para fora e a ordem é clara, ocupar todos os espaços.
Os chineses, coreanos e demais asiáticos, através da sua reserva de mercado, desenvolvem produtos similares e com a sua expertise de estudo, cópia e melhorias, passam a produzir produtos competitivos nos seus domínios, como Baidu, uma empresa com 24 mil funcionários dos quais 10 mil engenheiros, Weibo com 300 milhões de usuários,  Line com 36 milhões de usuários, Kakao Talk com 19 milhões de usuários, We Chat com os seus esperados 400 milhões de usuários para esse ano, etc. 6

A nova retaguarda

E o Brasil? Os brasileiros se contentam em criticar a NSA e a espionagem dos EUA pelo  Facebook, muitas vezes através de brinaceiras do tipo: "Obama, eu sou fã do Bin Laden, me prenda!", entre outras coisas. O Brasil tem uma vantagem competitiva em outras áreas que talvez não seja vantajoso querer competir no mundo tecnológico. É a antiga síndrome da doença holandesa, que se manifesta contra os segmentos que exigem uma exploração profunda de áreas do conhecimento mais complexas em consequência da exploração de produtos primários de baixo custo de produção.
O brasileiro entende essa sua dificuldade, e procura aproveitar as vantagens inerentes ao nosso país, a sua disposição ao trabalho e as suas características enquanto povo, enquanto nação. Essa afirmação é uma homenagem ao meu país e ao povo que tenta construir a sua identidade com base na relação entre as pessoas, no mundo que as cerca e não em ideais complexos de civilização.

Em termos tecnológicos, vamos desenvolvendo web site para vender roupas, web site para vender brinquedos (feitos na China), web site para vender cursos de inglês presencial, porque inglês on line já está preechido por empresas do exterior. Desenvolver um sistema que faz sistemas, deixaremos para o Google, porque de uma maneira ou de outra, pode ser mais vantajoso.

Existem riscos e armadilhas nesso percurso sim, e seria interessante que desenvolvessemos as ferramentas necessárias a construção da independência da nação brasileira. Enquanto uma grande parte da população se desenrola no dia-a-dia e se utiliza das suas relações para desenvolver o seu trabalho, ou até para arrumar trabalho e fortalecer o sentimento de amizade, de conjunto, de pertencimento, uma pequena parcela se beneficia da situação estabelecida e cobrando pedágio dos meios produtivos se apodera de grande parte dos rendimentos gerados nessas atividades. Nada de novo, esse é o sistema.
A questão é que com o desenvolvimento acelerado das tecnologias, poderia ser interessante para o Brasil ser ativo nesse novo mundo abstrato, porque o dinheiro vai aparecer e sumir cada vez mais rapidamente, como que por magia.

Tomara que o nosso petróleo, a soja e o minério de ferro bastem para pagar a conta.

Conclusão

Quero concluir esse texto dizendo que existem empregos de baixa qualificação nos EUA e em qualquer país desenvolvido do mundo, por demandas de serviços da sociedade e também para ofertar trabalho às pessoas menos qualificadas. Analogamente, no Brasil esse tipo de emprego apesar de não se assemelhar às vagas ocupadas por pesquisadores e desenvolvedores de novas tecnologias, ainda são empregos que apresentam rendimentos muito superior à outras áreas de atuação profissional. E são oportunidades que muitas vezes são utilizadas como uma etapa em um processo evolutivo profissional e socialmente se falando.
O que ocorre é que a cultura da inovação e a busca da melhoria contínua é algo que está muito distante da nossa realidade. A busca da competitividade por essas bandas de cá traz grandes ganhos de capital financeiro, que em grande parte não retorna como investimento em capital humano, conhecimento e novas tecnologias.


Referências:

  1. https://www.google.com.br/search?q=falta+m%C3%A3o+de+obra+tecnologia&oq=m%C3%A3o+de+obra+tecnologia
  2. http://web.mit.edu/invent/iow/kurzweil.html
  3. http://www.ted.com/
  4. http://www12.senado.gov.br/orcamento/documentos/loa/2013/elaboracao/projeto-de-lei/390-proposta-do-executivo/390-mensagem/420-resumo-da-politica-economica-do-governo-pdf
    http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/09/1340730-setores-da-industria-com-incentivo-do-governo-lideram-as-demissoes.shtml
  5. http://www.americanprogress.org/issues/green/report/2013/01/09/49187/president-obamas-clean-energy-progress-how-the-top-10-energy-priorities-fared-during-his-first-term/
  6. http://thenextweb.com/asia/2013/03/21/mobile-chat-apps-have-overtaken-twitter-and-facebook-in-japan-and-korea/
* Esse texto não se baseia em pesquisas, e reflete apenas a opinião empírica do autor.

Popular posts from this blog

Atom - Jupyter / Hydrogen

Design Patterns

Robson Koji Moriya disambiguation name